No evangelho deste domingo, Jesus enfrenta os fariseus e coloca o dedo em sua maior ferida, que é o legalismo. E nós vamos ver, junto com o Pe. Rodrigo Hurtado, LC, como que o legalismo ainda é uma grande tentação entre os católicos de hoje, e vamos descobrir o que precisamos fazer para combater esse erro.

Mas, antes de mais nada, precisamos descobrir quem era os fariseus. Eles eram um grupo muito devoto da Torá, fiéis observantes das leis herdadas dos antepassados. Eram os grandes oponentes dos saduceus, que na época de Jesus dominavam Jerusalém e o templo. 

Doutrinariamente falando, os fariseus diferenciavam-se dos saduceus no que acreditavam das Sagradas Escrituras, mas também na tradição oral dos rabinos de Israel. Eles foram os criadores da instituição da sinagoga.

Fariseu significa “separado” ou “santo”. Eles realmente eram impecáveis no cumprimento das leis, as 613 normas da Torá. Em certo sentido, os fariseus tinham uma vida muito próxima do Evangelho de Jesus. Porém, Nosso Senhor se enfrentou fortemente com os fariseus justamente por causa de seu legalismo.

O que é o legalismo?

O legalismo é aquilo que podemos chamar de desmancha-prazeres da fé, ou seja, algo que destroi a alegria de ser cristão, de seguir a Jesus, de servir os outros e praticar a caridade.

O legalismo não é um desvio que ataca as pessoas que estão longe de Deus. O legalismo ataca precisamente as almas fiéis, aquelas que querem estar perto de Deus, mas caindo nessa armadilha, destroem a alegria e os frutos de todo esse esforço por seguir Deus.

Mas, portanto, o que é o legalismo? O legalismo é substituir nossa relação com Deus por regras, rituais ou coisas parecidas, como se, por essas coisas, nós pudéssemos merecer a salvação.

Nós vemos na parábola do publicano e do fariseu um exemplo desse legalismo:

O fariseu: “O fariseu, em pé, orava em seu íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: roubadores, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’. (Lucas 18, 11)

O publicano: “o publicano ficou à distância. Ele sequer ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, confessava: ‘Ó Deus, sê benevolente para comigo, pois sou pecador.” (Lucas 18, 13)

Nós conhecemos o maior fariseu de todos os tempos, e graças à ação do Espírito Santo, ele se tornou um dos maiores santos da Igreja, que é justamente São Paulo.

“Irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus. Eis que estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos!” (Atos 22, 3; 23, 6)

Sabemos que antes de sua conversão, Paulo era perseguidor de cristãos, mas não porque fosse ateu, mas porque, sendo fariseu, achava que os cristãos eram uma seita que pregava o não cumprimento da lei da Torá e portanto, era uma ameaça que devia ser eliminada. 

O próprio Paulo nos ajuda a perceber a armadilha do legalismo de cinco maneiras, e podemos encontrar isso em sua carta aos Filipenses:

Se alguém julga que tem motivos para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, filho da descendência de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à Lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à justiça que há na Lei, eu era irrepreensível.” (Filipenses 3, 4)

1. Legalismo é colocar sua confiança nos rituais:

Paulo diz: “circuncidado no oitavo dia de vida” ou seja, Ele foi circuncidado oito dias depois de seu nascimento, de acordo com a lei Torá. 

Hoje os cristãos também caem nisso. Escutamos pessoas dizendo: “sou católico porque fui batizado na catedral de São Paulo!”, “Pelo próprio arcebispo”, “Eu recebi a primeira comunhão do Papa”, “Eu vou quase todo domingo à missa”, etc. 

Nós, algumas vezes, confiamos nos ritos como certeza de nossa salvação, como se isso nos fizesse católicos, mas os ritos são necessários, porém são meios. Se com eles, não há espírito, não adiantam muita coisa.

2. Legalismo é colocar sua confiança na linhagem ou tradições

Paulo diz: “filho da descendência de Israel, da tribo de Benjamim”, ou seja, eu tenho “pedigree”. Eu venho de família muito importante. 

Hoje vemos pessoas que dizem que são católicas porque tem um tio que é santo, porque sua avó era muito católica e rezava o terço todo dia. Ou porque tem uma tia que era monja ou padre.

Não é assim que funcionam as coisas de Deus. Cada um tem que ganhar os méritos para o céu. Cada um tem que fazer sua própria escolha de vida por Jesus.

3. Legalismo é colocar sua confiança em Instituições

Paulo diz: “hebreu de hebreus”, ou seja, eu pertenço ao povo escolhido, eu sou do povo que tem a promessa de Deus.

Hoje encontramos pessoas que quando são questionadas sobre seu relacionamento com Deus, respondem que pertencem à Igreja Católica, que seus nomes estão nas paredes da igreja (porque fizeram uma doação), ou que eles têm uma carteirinha que diz que são “Adoradores do Santíssimo Sacramento”.

Cuidado, não basta a pertença formal. Isso é apenas um meio, nossa vida e nosso relacionamento com Deus é o que importa.

4. Legalismo é colocar a confiança nas regras

Paulo diz: “quanto à Lei, fui fariseu”, ou seja, ele era um cumpridor fidelíssimo da lei judaica.

No evangelho de hoje, Jesus acusa os fariseus, de substituírem sua relação com Deus por normas e preceitos inventados por eles mesmos. Jesus diz: 

Nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Marcos 7, 7)

5. Legalismo é colocar a confiança na reputação

Paulo diz: “quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à justiça que há na Lei, eu era irrepreensível.”

Ninguém podia acusá-lo de ter faltado à menor regra da Torá. Paulo está dizendo que ele era um superstar entre os legalistas.

Hoje também vemos pessoas que se gabam: eu pertenço a Igreja X, eu sou membro do Movimento Y, eu colaboro com a paróquia há mais de 20 anos, etc. O resultado é sempre o mesmo: substituir nossa relação com Deus por reputação. 

Fazer isso, sem omitir aquilo

Na verdade, todas essas coisas são bons meios para nossa santificação que o próprio Jesus nos deixou, ou que a Igreja nos oferece para sermos melhores pessoas ou para termos um relacionamento mais próximo com Deus.

O problema é quando pensamos que isso só nos pode ganhar o céu.

A chave é o que Jesus dizia aos fariseus no evangelho de Mateus em outro enfrentamento com os fariseus. Jesus dizia: 

Dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas tendes descuidado dos preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Deveis, sim, praticar estes preceitos, sem omitir aqueles!” (Mateus 23, 23)

Os sinais do legalismo

Na verdade, quando caímos na armadilha do legalismo, podemos perceber alguns sinais que nos servem de alerta para rever nossa prática espiritual.

O primeiro sinal que percebemos é a perda da felicidade, da espontaneidade, da liberdade. A religião começa a parecer mais uma carga que uma graça ou um dom.

Outro sinal que acomete a quem cai na armadilha do legalismo é a perda da iniciativa. Estamos mais preocupados pelas normas que pelo objetivo: amar a Deus, salvar as almas, evangelizar e servir.

Por fim, outro sinal de que estamos caindo na armadilha do legalismo é quando há a perda das relações verdadeiras. Quando construímos uma relação sobre normas e regras, ela se torna fria e impessoal. Por isso o legalismo destroi também as relações, inclusive as mais próximas.

O que realmente torna impuro

Finalmente Jesus reúne os discípulos e as pessoas que estão por perto para explicar sua doutrina sobre a pureza e o pecado. Isto será uma verdadeira revolução na história da religião judaica e de todas em geral. 

Ele faz a contraposição entre o que entra no corpo e o que sai. O que entra nunca nos faz impuros. O que sai do coração é o que nos faz impuros, ou seja, com essas palavras simples, Jesus declara sua doutrina sobre o pecado em três pontos: 

  • Todas as coisas materiais, criadas por Deus, são puras e boas. 
  • O pecado é o único que faz impuro o homem. 
  • O pecado depende principalmente da intenção. 

O pecado tem 4 etapas: a tentação, que é quando a ideia chega em nossa mente; a deliberação, quando, ao invés de rejeitar aquele pensamento, nós incubamos a tentação dentro de nós; a decisão, quando optamos por cometer o pecado e, por fim; o ato, quando efetivamente pecamos.

Ou seja, a peça chave é a decisão. Se falta a decisão, nós dizemos que se trata de uma imperfeição, não de pecado. 

Conclusão

Jesus nos convida a fugir do legalismo de transformar nossa relação com Deus num cumprimento frio e impessoal de regras, normas, rituais ou outros. 

Ele nos convida a focar na relação de amor e, no amor, o mais importante é a intenção que colocamos em tudo o que fazemos. 

“Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.” 

(Santo Agostinho, Homilia sobre a Epístola de São João)

Assista à homilia do Pe. Rodrigo Hurtado LC, na íntegra, através de seu canal de YouTube, ou tenha acesso a um conteúdo de Estudo Bíblico da liturgia dominical do ano todo com o curso Conhecer e Viver a Bíblia, que está em nossa loja aqui no site.