Em sua homilia na Missa desse domingo, em que a liturgia traz a passagem do Evangelho em que Jesus acalma a tempestade, Pe. Rodrigo Hurtado, LC, reflete sobre a fé que cada um deve ter e a confiança no Senhor, a quem até as forças naturais obedecem.

«Sempre que lemos uma passagem do Evangelho, também do Antigo Testamento, nós temos diversas camadas de interpretação», ensina o Pe. Rodrigo. «A primeira camada, a mais óbvia, é o nível histórico. Todas as passagens da Bíblia, especialmente o Novo Testamento têm um fundamento histórico». No Novo Testamento existe um desejo dos apóstolos de contar os fatos como aconteceram, ainda que não fosse seu interesse principal.

Para o Pe. Rodrigo, certamente essa tempestade narrada no Evangelho de Marcos tenha sido um fato histórico. Ainda hoje, o Mar da Galiléia é famoso por tempestades repentinas e fortes.

O segundo nível é o nível teológico. «Sempre que nós vemos alguma passagem da Bíblia, mais especialmente do Novo Testamento, isso nos permite ver um pouquinho mais a verdade de Deus», explica o padre. Nessa passagem de hoje, por exemplo, há uma Teofania, isto é, uma manifestação de Deus. Jesus, no Evangelho, fala poucas vezes que Ele é Deus, mas em muitos momentos, pelos milagres, por seus gestos, Ele mostra que é Deus. Ao ordenar às forças da natureza que o obedeçam, demonstra que é Deus.

«Mas, em terceiro lugar, todo texto evangélico tem uma interpretação, um nível moral», continua o Pe. Rodrigo. Jesus, quando estava com seus apóstolos, tentava formá-los e prepará-los para a missão de fundar a Igreja. «Jesus faz muitas coisas intencionalmente porque quer fortalecer a fé dos discípulos, quer que eles entendam melhor cada vez em quê consiste o mistério do Reino de Deus, o seu messianismo, assim por diante…».

Pe. Rodrigo aponta que uma das interpretações mais famosas desse texto foi feita por Santo Agostinho e sua homilia seguirá inspirada pelo que disse esse santo. Para o padre, essa história contada no evangelho de hoje se desenvolve em três momentos, como uma peça de teatro que tem três atos.

Primeiro Ato

“Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a encher”.

(Marcos 4, 37)

Pe. Rodrigo lembra que nesse acontecimento histórico da tempestade, os homens ali na barca eram marinheiros, experimentados naquele grande lago, mas estavam com medo, porque a tempestade deve ter sido muito forte.

«Isso acontece também na nossa vida», reflete Pe. Rodrigo. «Nós, muitas vezes, sentimo-nos muito seguros, estamos felizes, e quando menos esperamos, se levanta uma tempestade em nossa vida». Por exemplo, quando morre um ente querido, ou se rompe um matrimônio, temos um problema financeiro, etc. «Essas coisas realmente acontecem e nós sentimos medo. Achamos que vamos afundar, achamos que Deus se esqueceu de nós».

Aqui vem a primeira lição: Coisas ruins acontecem a pessoas boas.

Não é porque somos cristãos e temos fé que Deus irá nos poupar dos sofrimentos. «É muito importante entender que coisas ruins acontecem e não são enviadas por Deus», explica o Pe. Rodrigo. «Deus não manda o mal a ninguém, Deus não quer o sofrimento de ninguém. Deus não queria o sofrimento, como não queria também o pecado, mas uma coisa é consequência da outra».

Jesus nos redimiu mas não tirou as tribulações, mas ao contrário, na última ceia ele advertiu aos apóstolos, mas também ordenou que confiassem nele, pois Ele venceu o mundo (Jo 16, 33).

Não só os sofrimentos repentinos nos trazem tristeza, mas sofremos também quando nossos sonhos não se realizam. Alguém pode sonhar em ser médico, mas acaba trabalhando em outra coisa que não queria. «A vida, muitas vezes, dá essas voltas», ilustra o padre.

Pe. Rodrigo recorda que o Papa João XXIII dizia que é sinal dos melhores servos de Deus essa capacidade de adaptar-se. «A vida me fechou uma porta, então eu abro uma janela, saio por uma janela, saio por outra porta, busco um caminho alternativo, talvez o mais próximo possível daquele que era meu sonho».

«O sofrimento tem uma finalidade dentro do plano de Deus…», adverte o Pe. Rodrigo. «Deus vai acabar com o sofrimento, lógico! Ele vai fazer um novo céu e uma nova terra, mas não ainda. Agora é o tempo da paciência de Deus, e Ele quer que nós façamos uma escolha por Ele, que nós nos convertamos, que nós amemos a Ele, e Ele usa o sofrimento, a dor, a provação. Este é o mistério profundo de nossa vida humana».

«O que nós temos que fazer?» – pergunta Pe. Rodrigo. «Olhar para frente».

Pe. Rodrigo, então, recorda um dos personagens mais importantes da Bíblia, depois de Jesus, que é o Rei Davi. Tudo dava certo na vida de Davi no princípio. Ele, ainda adolescente foi ungido para ser rei, venceu Golias. Depois, foi chamado para a corte de Saul e até casou-se com sua filha. Contudo, em certo momento, há uma reviravolta e Saul passa a ter ciúmes de Davi e começa a perseguir o jovem, que perde tudo, esposa, melhor amigo.

Davi tem que fugir e acaba vivendo no deserto, na Cova de Adulão. «A Cova de Adulão é o lugar em que vamos parar quando tudo dá errado», diz Pe. Rodrigo. «Essa é a cova onde perguntamos onde está Deus, como Ele permite isso em minha vida?».

«Naquele barca, na tempestade, os Apóstolos também estão experimentando os limites de suas forças. A provação, o medo, o esquecimento de Deus. E você, já experimentou isso?» – pergunta.

Segundo Ato

“Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: ‘Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?’” (Mc 4, 38)

(Marcos 4, 38)

«É muito interessante este segundo ato», medita o Pe. Rodrigo sobre a atitude dos apóstolos, que a princípio pareciam aguentar as ondas, a tempestade, mas, pouco a pouco vão perdendo as forças e, ao não aguentar mais lidar com a tempestade, ficam bravos.

«Exatamente assim acontece conosco. Quando nós sofremos, chega um momento no qual realmente já não podemos mais, as forças se acabaram e nós nos revoltamos contra Deus e culpamos a Deus».

Aqui vem a segunda lição: Sofrer é inevitável, mas ficar bravo é uma escolha.

Segundo o Pe. Rodrigo, «sofrer é inevitável porque a vida está cheia de mudanças». Mudança implica perda, perda implica sofrimento e sofrimento vai ser inevitável, porque a vida muda constantemente. «Agora, ficar bravo é uma outra coisa. Isso é uma escolha nossa».

«Eu posso fazer uma opção de fé, confiar em Deus, mesmo que Ele esteja dormindo, ou posso ficar bravo com Ele».

O padre esclarece que nós não podemos ficar bravos imediatamente. «A culpa não é de Deus», alerta. «As pessoas se revoltam contra Deus porque têm uma imagem de Deus e da vida um pouco infantil, como se Deus estivesse só dedicado a cuidar da gente. Seu eu rezo você tem que cuidar, uma troca».

«A vida é injusta, porque coisas ruins acontecem com pessoas boas», continua. «Entendamos isso e saibamos que apesar de que estejamos sofrendo, Deus está conosco e Ele sofre também conosco. E Ele, Deus, na sua onipotência, sabe tirar, de todas as coisas ruins dessa vida, algo bom».

O Padre continua ensinando que Davi escreveu um salmo na Cova de Adulão. O Salmo 142, em que ele diz derramar diante de Deus sua queixa. «Davi está sofrendo, mas, ao invés de ficar revoltado com Deus, ele coloca seu sofrimento diante de Deus».

«Isso é o que temos que fazer, não perder a confiança em Deus, mas pegar nosso sofrimento, nossa desilusão e colocar diante de Deus».

«Queridos irmãos, eu não sei qual é a sua situação, se está passando por um momento de provação, de tempestade ou você está mesmo morando em sua Cova de Adulão… O que você tem que fazer? Cobrar ânimo e colocar sua confiança no Senhor. Não se desesperar».

Aí vem a terceira lição: O sofrimento é chave para nosso crescimento espiritual.

«Se eu confio em Deus, acredite, esse sofrimento vai ser precisamente o lugar onde Deus vai tirar o crescimento espiritual, vai fazer nascer uma nova vida. Isso pode parecer muito duro, mas é assim mesmo. A gente cresce quando a gente sofre», constata o Pe. Rodrigo.

«Se a minha felicidade, a minha segurança, o meu amor a Deus depende de que todas as coisas estejam bem na minha vida, que tudo esteja dando certo e esteja prosperando, a sua fé e seu amor a Deus é muito frágil. Ela não vai resistir nada, ela não vale nada. Você deve amar e acreditar em Deus, inclusive no momento de provação e de dificuldade».

Tiago, apóstolo de Jesus, em sua breve porém muito prática carta, escreve que a provação produz a perseverança (Tg 1, 2). «O sofrimento, a prova de nossa fé é produtiva. Ela produz algo, ela não é estéril», reforça o padre.

«Se você sabe colaborar com Ele, se faz como Davi, cobrar ânimo e colocar sua confiança em Deus, acredite, esse sofrimento, mesmo incompreensivelmente no princípio, vai se tornar na fonte de uma nova vida que nasce em seu coração, em um crescimento espiritual, em uma fé e um amor que já não depende tanto das circunstancias externas e, portanto, que fazem minha vida muito mais segura e muito mais feliz».

Terceiro Ato

“Jesus se levantou e ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O vento cessou e houve uma grande calmaria.”

(Marcos 4, 39)

«Deve ter sido de arrepiar», imagina o Pe. Rodrigo. «Estar aí na barca e ver Jesus acordar desse jeito». O evangelho diz que os apóstolos ficaram com grande medo. «Foi um momento em que eles vislumbraram o poder de Deus, que estava aí, na barca com eles».

E aí, a quarta lição é: Quando sintamos medo e estejamos sofrendo, temos que acordar nossa fé adormecida e confiar em Jesus.

Pe. Rodrigo continua dizendo que quando estivermos em meio a tribulações, estejamos já perdendo as forças, «temos que acordar a fé que está adormecida em nosso coração». «Jesus está aí, só que você não está lembrando. O poder de Deus segue intacto. Ele pode mandar nas ondas e no vento e mudar a sua vida de um momento para o outro».

«Quando nós ousamos colocar nosso sofrimento nas mãos de Deus, Deus transforma esse sofrimento em crescimento, em um bem para nós», desafia o padre. «Ele segue estando sempre no controle, confie na sabedoria de Deus, confie no timing de Deus».

Jesus, quando pergunta para os apóstolos porque eram tão medrosos, se ainda não tinha fé, «Ele não está falando aqui da fé de acreditar na lei de Moisés, de acreditar nas normas da Torá, ou nas histórias do Antigo Testamento. Não! Ele está falando da fé de confiança em Deus, de poder caminhar apesar das provações, das dificuldades, sabendo que Deus está comigo, mesmo que eu não sinta, porque a fé não se trata de sentimento.

Por fim, Pe. Rodrigo termina sua homilia dizendo que «quando chegue nesses momentos de desespero, levanta seu olhar a Deus. Levanta seus olhos a Ele. Ele está no controle sempre».

Temos que fazer como no Salmo 37. O Salmo 37 diz: “Confia o teu caminho ao Senhor; confia Nele, Ele tudo fará”.

  • Pe Rodrigo Hurtado, LC, idealizador do aplicativo de meditações católicas Seedtime, celebra a Missa todo domingo em seu Canal de YouTube. Inscreva-se, ative as notificações, deixe seu like e compartilhe.