“Hoje o mundo oferece caminhos demais…” – Assim começa uma canção de Eugênio Jorge, composta nos anos 90, mas que soa ainda mais atual neste início de século XXI. Vivemos rodeados por possibilidades: modos de viver, estilos de relacionamento, filosofias de vida e propostas de felicidade instantânea. É um universo saturado de escolhas, onde se chora, se ri, mas nem sempre se é feliz de fato.

O mundo contemporâneo apresenta inúmeras rotas para “encontrar-se” e “realizar-se”, mas, há uma constante insatisfação em nossa alma, porque, como diria Santo Agostinho, só Deus pode enchê-la. Essa sede insaciável não é apenas individual. Ela também marca a vida dos casais e famílias, especialmente daqueles que desejam viver o matrimônio segundo os planos de Deus.

Entre os desafios que enfrentam, um dos mais dolorosos é conciliar a vivência fiel do sacramento com uma cultura dominante que não apenas ignora, mas muitas vezes contradiz e ridiculariza os valores evangélicos.

Um alerta que vem de longe

Em 1981, São João Paulo II, na exortação apostólica Familiaris Consortio, já identificava o que chamava de “sinais preocupantes” para a instituição familiar. O Papa constatava “uma certa deformação do conceito e da experiência de liberdade, entendida não como capacidade de realizar o bem, mas como força autônoma de afirmação própria” (n. 6).

Quarenta anos depois, essa tendência não diminuiu — ao contrário, intensificou-se. A liberdade foi reduzida à ideia de independência absoluta, mesmo às custas dos vínculos mais sagrados. Na prática, isso se traduz em uma cultura do provisório, na qual compromissos são assumidos “enquanto for bom para mim” e descartados ao primeiro sinal de dificuldade.

A Familiaris Consortio defende que o matrimônio é “um caminho de santidade” real (n. 56), e que a fidelidade conjugal é “um bem para os esposos, para os filhos, para a sociedade e para a própria Igreja” (n. 20). Mas a cultura ao redor propaga a ideia de que a fidelidade é opcional, a abertura à vida é ultrapassada e a indissolubilidade é uma prisão emocional.

O matrimônio sob pressão

Viver o matrimônio cristão hoje é como remar contra uma correnteza cultural forte e persistente. O casal é constantemente exposto a mensagens que relativizam o compromisso e apresentam “alternativas” aparentemente mais fáceis: relações líquidas, uniões sem compromisso, estilos de vida centrados apenas no prazer e na autorrealização.

As pessoas vivem mais com base em seus sentimentos e afetos do que firmados na realidade que os envolve. 

Além disso, há a pressão já não mais sutil das mídias e do ambiente profissional, que valorizam a carreira, o consumo e a imagem pessoal muito acima dos laços familiares, e colocam os sentimentos e os afetos como os valores que verdadeiramente devem ser seguido. Em muitos contextos, falar em sacramento do matrimônio já soa como linguagem estranha ou antiquada.

A visão positiva: não é só resistência, é testemunho

O Papa Francisco, na Amoris Laetitia, reconhece essa realidade e vai além: ele convida os casais a não viverem apenas em posição defensiva, mas a transformarem sua união em anúncio vivo da “boa notícia da família” (n. 1).

Francisco diz que “o matrimônio é um sinal precioso, porque quando um homem e uma mulher celebram o sacramento do matrimônio, Deus, por assim dizer, ‘espelha-se’ neles” (n. 121). Isso significa que o amor conjugal fiel, livre e aberto à vida não é apenas uma experiência privada, mas um sinal visível do amor de Cristo pela Igreja.

Em outras palavras, o matrimônio cristão é missionário. Ele não apenas sobrevive à pressão cultural — ele brilha no meio dela, como farol que aponta para o verdadeiro porto seguro.

Três atitudes concretas para o casal católico

Para que esse testemunho seja possível, alguns passos práticos podem ajudar os esposos a manter-se firmes e fecundos espiritualmente:

1. Formação contínua

   Um casamento católico sólido exige conhecimento profundo da fé. Participar de retiros, cursos, estudar os documentos da Igreja e refletir sobre a Palavra de Deus em conjunto ajuda o casal a formar critérios claros diante das pressões externas.

2. Vida espiritual partilhada

   O matrimônio não é apenas uma parceria afetiva, mas uma vocação que inclui a santificação mútua. Oração diária, leitura espiritual e participação frequente na Eucaristia fortalecem a unidade e colocam Cristo no centro.

3. Comunidade e apoio

   Casais isolados tendem a enfraquecer diante das dificuldades. Inserir-se em uma comunidade que compartilhe os mesmos valores — seja uma paróquia, um movimento ou um grupo de amigos — cria um ambiente de encorajamento e perseverança.

Mais que defesa, proposta

São João Paulo II afirmava que “o futuro da humanidade passa pela família” (n. 86). Esse futuro não será construído apenas defendendo-se de ameaças, mas oferecendo ao mundo uma visão mais bela e mais verdadeira do amor humano.

O matrimônio cristão é, por essência, contracultural. E essa contracultura não é feita de rigidez ou isolamento, mas de uma proposta positiva: viver o amor como dom total de si, aberto à vida e fiel até o fim.

Só Deus pode encher

Voltando à canção que nos inspirou, é fácil perceber que ela não é apenas poesia — é um diagnóstico espiritual. Muitos casais se perdem porque buscam no mundo o que só Deus pode dar: plenitude, sentido e paz.

O sacramento do matrimônio, vivido segundo o plano de Deus, é uma das formas mais concretas de experimentar essa plenitude. Nele, a alma encontra repouso não porque não haja desafios, mas porque o amor é sustentado pela graça.

Num mundo que oferece “caminhos demais”, o casal católico é chamado a escolher o único que leva à vida: Cristo. Nele, risos e lágrimas encontram sentido; alegrias e dores se transformam em ocasião de amor; e a promessa feita diante do altar torna-se não um peso, mas um caminho de santificação e missão.