No Evangelho deste último domingo, a liturgia continua nos levando a percorrer o capítulo 6 do Evangelho de São João, que é o capítulo em que Jesus se revela como o Pão da Vida. É nesse texto que podemos compreender o maravilhoso mistério que é a presença real de Cristo, vivo e ressuscitado, na Eucaristia.

Neste trecho da Sagrada Escritura, vemos que os judeus se inquietam por não compreender como Jesus poderia ter descido dos céus. Era algo impensável para eles, mas, ao invés de se retratar e falar que estava usando de simbologia, Jesus dobra a aposta e se revela como o verdadeiro Pão da Vida.

A verdade é que a Eucaristia é centro de toda a vida da Igreja, é nesse Sacramento que podemos encontrar a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Eucaristia não é somente um símbolo da presença de Cristo, mas é Sua presença real. O maior milagre que Jesus já realizou. E é isso que vamos aprender nesta homilia do Pe. Rodrigo Hurtado, LC.

Não é um símbolo

Em muitos momentos do Evangelho, Jesus se utiliza de símbolos para se referir a si mesmo. Em certo momento Ele diz “eu sou a luz do mundo”, em outro momento, “eu sou a porta das ovelhas”, mas quando Ele fala da Eucaristia ele diz claramente que é o Pão da Vida e que esse pão é a sua carne.

Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo“. (Jo 6, 51)

Jesus foi tão claro em revelar-se como o Pão da Vida, que a partir desse momento, sabemos pela continuação do texto evangélico, que muitos judeus deixaram de o seguir.

Comer o Meu Corpo

Quando Jesus falou pela primeira vez em dar de comer o seu corpo, ele usa a palavra grega “fagein”, que significa “comer”. Daí vem as palavras, por exemplo, “sarcófago” (que come carne) ou antropófago (que come homens).

φαγειν = comer

Nesta última frase, depois que os judeus ficaram escandalizados com a ideia de ter que comer seu corpo e beber seu sangue, Jesus muda o verbo e usa a palavra grega “troglo”, que significa “comer com ansiedade”, ou seja “devorar”. Daqui vem a palavra “troglodita”, por exemplo.

τρωγειν = mastigar, devorar

Ou seja, Jesus não tenta atenuar o simbolismo de suas palavras, ao contrário, insiste no sentido literal e realista delas.

Realmente esse foi um momento de divisão, um momento no qual Jesus ficou apenas com os discípulos que confiavam cegamente nele. E essa divisão persiste ainda hoje.

A Eucaristia nos primeiros anos da Igreja

Nos primeiros anos da Igreja, a presença real de Cristo na Eucaristia já era uma certeza e não havia, entre os seguidores de Cristo, dúvidas em relação a isso. Santo Inácio de Antioquia, um dos primeiros cristãos da geração seguinte à dos Apóstolos, nascido no ano 35 e martirizado no ano 108, já dizia sobre as pessoas que não queriam se converter:

Eles se mantêm distantes da Eucaristia e da oração porque não querem confessar que a Eucaristia é a carne de Nosso Salvador Jesus Cristo, carne que sofreu pelos nossos pecados e foi ressuscitada pela bondade do Pai” (Santo Inácio de Antioquia, séc. II)

Um dos boatos que corriam naquela época, era que os cristãos praticavam um tipo de culto secreto, se reuniam pelas noites, celebravam uma ceia e comiam a carne de um homem.

É nesse momento que São Justino, outro santo da mesma época, tenta explicar com uma linguagem culta e educada o mistério da Eucaristia:

Estas coisas não as recebemos como se fossem pão comum e bebida comum, mas do mesmo modo que Jesus Cristo nosso Salvador se fez carne pela Palavra de Deus e tomou carne e sangue para nos salvar, assim também nos foi ensinado que o alimento convertido em Eucaristia pelas palavras de uma oração procedente de Jesus se torna a carne e o sangue daquele Jesus que Se encarnou por nós.” (São Justino, séc. II)

Um outro santo muito importante, São João Crisóstomo, do século IV (347 d.C.) e que foi um importante bispo de Constantinopla, juntamente com Roma, a capital mais importante do Império Romano.

O que é o pão, senão o corpo de Cristo? Em que se transformam aqueles que o recebem? No corpo de Cristo, não muitos corpos, mas um só corpo” (São João Crisóstomo)

Dessa forma, quando recebemos a Sagrada Eucaristia, o Corpo de Nosso Senhor, somos como que “cristificados”. Nós nos tornamos Corpo de Cristo.

Santo Tomás de Aquino e a Transubstanciação

Santo Tomás não era só um dos maiores teólogos da Igreja, mas era um grande devoto da Eucaristia, que passava horas diante do sacrário. É ele que desenvolve o conceito da “transubstanciação”.

Para entender a transubstanciação, talvez seja útil explicar um termo que é próximo: transformação. Algo pode ser “transformado” sem deixar de ser o que é. Por exemplo, pode ser que tenha um jantar com sua esposa. Então sua mulher vai ao cabeleireiro e muda de penteado, muda de vestido, faz toda uma nova maquiagem, e quando você a vê, parece totalmente outra mulher, mas não é, ainda é a mesma mulher. São mudanças acidentais.

A transubstanciação, é justamente o contrário, uma mudança de substância sem mudar os acidentes. Parece pão, mas já não é pão. Tem sabor de pão, mas já não é pão. Tem cor e sabor de vinho, mas já não é vinho. A substância é o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo, vivo e presente.

O que Lutero dizia sobre a Eucaristia

A interpretação sobre a Eucaristia foi única até Lutero. Lutero admite uma presença de Cristo na Eucaristia, mas uma presença espiritual. Depois da consagração o pão e o vinho, não são iguais, mas agora Cristo está presente de algum jeito neles.

Depois disso, os protestantes resolveram não admitir a presença real de Cristo na Eucaristia e assim segue sendo até hoje entre eles.

O Concílio de Trento respondeu a todas essas teorias erradas confirmando a doutrina de Santo Tomás de Aquino, ou melhor, elevando a doutrina dele a doutrina oficial da Igreja.

O Concílio Vaticano II e a presença real de Cristo na Eucaristia

O Papa Paulo VI, ao final do concílio, com uma carta apostólica muito bela e profunda, mas confirmando a doutrina tradicional, diz que a presença de Cristo na Igreja se realiza de diversos modos. Em concreto cinco modos. Ele diz, Cristo está presente:

Quando a Igreja ora. Quando a Igreja presta seu serviço de misericórdia. Quando a Igreja ensina ou prega. Quando a Igreja distribui os sacramentos através dos sacerdotes. Mas de um jeito único e insuperável, Cristo está presente na Eucaristia. Não é que a presença de Cristo nos outros modos não seja real, mas não é completa. Na Eucaristia, está Cristo total e substancialmente. Corpo, alma e divindade.

Como se realiza essa presença de Jesus na Eucaristia?

A presença real de Cristo na Eucaristia se dá pelo poder da palavra. A palavra de Deus é transformadora, mas de um jeito muito mais poderoso e radical, ela é criadora. Quando Deus fala, as coisas são efetivamente criadas.

Assim, as palavras do sacerdote sobre o pão e o vinho são transformadoras. Quando a missa começa o que temos é pão e vinho. Depois da consagração, o que temos é o corpo e o sangue de Cristo. Já não há pão.

O mesmo acontece com os outros sacramentos. A absolvição, o batismo, a unção. São palavras que transformam.

Conclusão

Feuerbach dizia que somos o que comemos. Não no sentido que ele dizia, mas isto se aplica à Eucaristia. Quando você recebe a Eucaristia, você se transforma em Cristo.


Assista à homilia do Pe. Rodrigo Hurtado LC, na íntegra, através de seu canal de YouTube, ou tenha acesso a um conteúdo de Estudo Bíblico da liturgia dominical do ano todo com o curso Conhecer e Viver a Bíblia, que está em nossa loja aqui no site.