Música que inspira, consola e move
No Café com Fé dessa semana, Adriano Dutra recebe a Violoncelista Maria Eduarda Canabarro, que nos dá seu testemunho de vida de fé, como profissional, esposa e mãe, e acredita que música pode inspirar, consolar, mas também tem que mover, não só o coração das pessoas que ouvem uma bela melodia, mas também os próprios artistas.
Maria Eduarda, que também é mestre em Music Pedagogy pela HKB de Berna e doutoranda em Práticas Interpretativas pela UNICAMP, conta que no início não sabia como era a vida de musicista e já tinha feito várias Masterclass e se apresentado em vários festivais, mas não pensava em seguir carreira profissional, até que um professor búlgaro lhe fez perceber que ela tinha um dom de Deus.
«Eu nunca tinha visto a música como um dom de Deus», confessa Maria Eduarda, que nesse momento decide ir para a Bulgária estudar música e voltou ao Brasil para se aprimorar no violoncelo, mudando-se para São Paulo, onde concluiu o bacharelado pela UNESP.
Contudo, Maria Eduarda revela que, apesar de ser católica e ter uma vida de oração, não imaginava que Deus pudesse fazer parte também de sua vida profissional, das coisas do seu dia a dia. Ela se muda para a Suíça, para continuar seus estudos e acaba indo morar em uma pensão dirigida por freiras. Logo mais, descobre uma comunidade de língua portuguesa em Berna, onde começa a participar das Missas. Nesse momento, ela começa a gostar de fazer parte dessa comunidade e até faz sua catequese para a Crisma ali.
Foi nessa comunidade que ela descobriu que a música não era um fim em si mesma, mas que também podia ser usada para servir a Deus. As pessoas descobriram que ela era música e a pediram para tocar nas Missas e, depois, coordenar o coral da Igreja. «Comecei a participar ativamente da comunidade e aquilo começou a fazer muito sentido para mim», conta Maria Eduarda. «Pela primeira vez eu realmente senti e toquei música para louvar a Deus».
O novo violoncelo
Maria Eduarda conta que estava na faculdade e havia um tipo de agência de pequenos trabalhos, por cachê, que oferecia aos alunos a oportunidade de ganhar um dinheiro extra tocando em eventos, batizados, funerais, casamentos e surgiu uma oportunidade de tocar em um funeral.
Contudo, naquele momento, ela teria que devolver seu violoncelo para o banco que a tinha emprestado. Uma prática comum na Europa, pois instrumentos de corda antigos, além de muito caros, precisam ser sempre tocados, senão perdem a sonoridade. Ela tinha um mês para comprar o violoncelo ou devolver ao banco.
Nesse período, ela foi à cidade do interior da Suíça onde se daria o funeral e conheceu um familiar da senhora que havia falecido que, por sua vez, era viúvo de uma violoncelista. Os familiares pediram para que ela tocasse em três momentos da cerimônia de exéquias e ela decidiu tocar uma sarabanda de uma suite de Bach.
«A sarabanda é um movimento mais lento e é um movimento de caráter bem contemplativo, bem de adoração. E Bach era um homem de muita fé», ilustra Maria Eduarda. A violoncelista conta que, no momento em que começou a tocar e a música reverberou pelas paredes de pedra da antiga igreja e ela pôde perceber o rosto das pessoas que estavam no funeral, pôde sentir porque aquelas músicas foram compostas. «Elas realmente serviam para consolar as pessoas. Elas realmente chegavam ao coração daquelas pessoas que estavam sedentas daquilo naquele momento de dor».
«Pela primeira vez saí da parte técnica da música», conta. «Nós somos um instrumento para transmitir o que Deus inspirou o compositor a dizer através da música».
No final do funeral, a nova esposa daquele senhor que era viúvo de uma violoncelista veio e perguntou se Maria Eduarda tinha um instrumento seu e, com a resposta negativa, ofereceu-lhe o antigo instrumento que pertencera à falecida esposa daquele homem. Maria Eduarda conta que a emoção foi tremenda e recebeu um instrumento melhor do que aquele com o qual ela já tocava e teria que devolver.,
Nesse momento, Maria Eduarda executa a sarabanda da Primeira Suíte em Sol Maior de Bach para os espectadores do Café com Fé.
Entregar-se a Deus
A violoncelista conta que, depois disso, estava para terminar seu mestrado na suíça e namorava um brasileiro que também morava na Europa, mas pouco se viam. Ao ir à Missa, ela pedia para Deus mudar o coração do rapaz, para que fosse mais atencioso até que, num momento, sentiu uma inspiração e decidiu entregar-se à vontade de Deus. Em uma semana rompeu o namoro. Tempos depois, foi viajar de férias onde encontrou uma amiga de infância que fazia mestrado em Direito em São Paulo, que estava com alguns amigos, e ali conheceu seu marido.
«Eu lembro que com isso eu me dei conta que eu tinha que soltar o controle das coisas e deixar mais para Deus», relembra Maria Eduarda. «Eu era uma pessoa que não deixava nada ao acaso e sempre tinha tudo muito planejado».
Após conhecer seu futuro marido, voltou para a Suíça, mas já querendo voltar ao Brasil. Porém, não tinha nenhuma proposta para trabalhar ou estudar aqui até que, no mesmo mês, recebe uma chamada por internet com a oferta de uma vaga de violoncelista na Orquestra do Teatro Municipal de S. Paulo. Ela volta, passa no concurso e se muda para a capital paulista para tocar naquela importante orquestra.
Logo que começou a tocar na Orquestra, casou-se e, após um ano de casada, vem a primeira gravidez. No parto d sua primeira filha, Maria Clara, houve complicações e Maria Eduarda teve que ficar uma semana internada em terapia intensiva. Ao voltar pra casa, percebia que sua filha não conseguia se alimentar com leite materno e foi nesse momento de sofrimento que sua mãe lhe apresentou a devoção a Nossa Senhora de Guadalupe. Comecei a tocar no teatro, no final do ano eu casei, mais um ano eu tive a Maria Clara. «Comecei a perceber a minha impotência real e rezava para nossa Senhora de Guadalupe desesperada e, depois de 4 meses, descobrimos que ela tinha alergia a leite e começou a tomar um leite especial e deu tudo certo», relata.
«Essa minha impotência de conseguir fazê-la se acalmar e saciar, me marcou muito», testemunha Maria Eduarda que, no mesmo mês que a filha, Maria Clara, se estabilizou com um leite especial, fez uma promessa que, caso a filha não precisasse mais do leite especial, ela doaria a mesma quantidade que a menina tomaria até os dois anos de idade para alguma instituição. «Com 10 meses ela fez o teste e já não estava mais alérgica e no mesmo mês chegou pra mim um pedido de latas de leite especial para uma instituição aqui em São Paulo… E foi aí que eu descobri a caridade».
«O que mais abriu meu coração para escutar a Deus, com certeza foi a caridade», esclarece Maria Eduarda.
Sua segunda gestação também teve seus desafios e sua segunda filha nasceu prematura e precisou ficar na UTI neonatal. Maria Eduarda relata que não produzia muito leite e ficava todo o tempo rezando o rosário e cantando músicas para Nossa Senhora naquele recinto. Uma mãe, cuja filha também estava internada na mesma UTI, ao ver a luta de Maria Eduarda, chega um dia e lhe entrega um envelope com um sacramental que viera da Gruta do Leite, próxima à Basílica da Natividade, em Belém (Terra Santa). Aquela senhora havia escrito para as freiras que cuidam do local há dois anos e a resposta havia chegado só naquele momento, quando aquela mãe já havia recebido anteriormente a graça.
Maria Eduarda conta que naquele momento seu coração ficou em paz. Não que imediatamente ela começasse a ter mais leite, mas seu coração foi tocado e a situação se resolveu logo mais. E foi no nascimento de sua segunda filha que Maria Eduarda reforça ter conseguido unir a fé nas coisas pequenas da sua vida.
A arte inspira, consola, mas tem que mover
Maria Eduarda, após discernir com seu marido, deixou a Orquestra do Teatro Municipal de S. Paulo e agora desenvolve um projeto junto ao Coletivo Trinità, que já participou de um Café com Fé, com a finalidade de ajudar uma jovem de Manaus que tem necessidade de dieta especial. Ela também está desenvolvendo um projeto voltado à arte.
«Eu realmente acredito que a música é transformadora. A música muda as pessoas. A música faz uma diferença na casa das pessoas e é isso que eu acho que é uma lacuna que a gente tem aqui no Brasil com a música clássica», constata Maria Eduarda. «A música clássica não faz parte da nossa cultura e isso acaba dando início a um círculo vicioso, pois como a musica clássica não não faz parte da cultura das pessoas, elas não investem e não gastam seu tempo e nem seu dinheiro na música clássica e daí a música clássica não é retroalimentada, e acaba não chegando música de qualidade nas pessoas, nas escolas… e, quem perde somos nós todos».
«Eu realmente acredito que a arte inspira, consola, mas tem que mover», afirma Maria Eduarda. «Deve mover mesmo as pessoas que escolheram a arte como missão como profissão».
Por fim, Maria Eduarda, diz que «falar de Deus com pessoas que também amam a Deus é uma das maiores graças que a gente pode ter. O que eu aprendi nessa caminhada é que a comunidade de fé é muito importante».
E, mesmo que alguém se sente incapaz de atingir um nível de espiritualidade maior, Maria Eduarda recorda que a fé «é pra todo mundo, só que cada um tem sua caminhada, cada um tem seus desafios, sua personalidade. E também, cada um tem sua vocação e cada um tem suas bênçãos e as graças que estão guardadas para si. Então, Deus quer estar na nossa vida perto da gente. E é só a gente deixar e só a gente querer».
- O podcast Café com Fé é transmitido ao vivo pelo Canal do Youtube do Instituto Católico de Liderança e pode ser encontrado nos melhore aplicativos para podcast e no aplicativo de meditações Seedtime.