Em sua homilia deste segundo domingo da Quaresma, Pe. Rodrigo Hurtado LC medita sobre a transfiguração de Cristo no monte Tabor e nos recorda que nós também seremos transformados como Ele um dia.

Hoje vemos Jesus se transfigurar no Monte Tabor e isso, em certo sentido, é uma janela aberta para nosso futuro. Todos nós vamos ser transfigurados, como diz S. Paulo na segunda leitura.

“Somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso.”

(Filipenses 3, 20)

O próprio Jesus também ensinou isso aos apóstolos quando lhes contava a parábalo do joio e do trigo:

“Os justos reluzirão como o sol no Reino do Pai. Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça!”

(Mateus 13, 43)

Portanto, esta vida aqui não é nossa pátria definitiva. Aqui é a creche, não a escola. Este é o ensaio, não a apresentação. Esta é a volta de aquecimento, não ainda a competição. Esta é a gravidez, não ainda a vida verdadeira e definitiva.

Mas, essa transformação não é uma obra que faremos sozinhos. Deus quer nos preparar e transformar pouco a pouco até chegar a maturidade e estar prontos para a transfiguração da qual fala São Paulo. O objetivo da Igreja, do Instituto Católico de Liderança e de todas as coisas que Deus colocou aqui é justamente transformar cada um de nós na melhor versão de nós mesmos.

Na verdade, trata-se exatamente de progredir na maturidade espiritual para alcançar a plenitude que Deus reservou para nós. Por isso, muitas vezes, pedimos diversas coisas para Deus, mas parece que Ele não nos ouve. É porque Deus quer que sejamos santos e usa as circunstâncias que o pecado original causou no mundo para que nos fortaleçamos e alcancemos essa maturidade.

Por isso, é necessário tirar alguns mitos que pairam sobre o tema do amadurecimento espiritual para que possamos realmente compreender como podemos ser transformados por Cristo.

O amadurecimento não é automático

O primeiro mito é pensar que, porque eu vou crescendo em idade, vou crescer automaticamente em maturidade humana e espiritual. Isso não é verdade. O amadurecimento espiritual é o resultado de um trabalho conjunto de Deus conosco.

“Colocai em prática a vossa salvação com reverência e temor a Deus, pois é Deus quem produz em vós tanto o querer como o realizar, de acordo com sua boa vontade.”

(Filipenses 2, 12)

Por um lado, temos que colocar em prática, mas é Deus quem realiza em nós o amadurecimento espiritual. Deus nos ajuda a crescer espiritualmente, mas somos nós que temos que trabalhar.

Crescimento espiritual não é místico

Muitas pessoas acham que a maturidade espiritual é sinônimo de experiências místicas, mas não é. Um homem e uma mulher plenamente maduros são pessoas que alcançam sua plenitude humana, a melhor versão de si mesmos.

“Rejeita as fábulas profanas e os falatórios dos insensatos. Exercita-te, porém, na piedade. O exercício físico, de fato, é de algum valor; no entanto, a piedade para tudo é proveitosa, porquanto traz consigo a promessa da vida presente e futura.”

(1 Timóteo 4, 7)

Ou seja, ir à academia é uma coisa boa, contanto que eu não deixe de ir à igreja. O crescimento espiritual não significa ter experiências místicas. Significa chegar a ser plenamente humano.

Por outro lado, você não precisa ser ninguém além de você mesmo. De fato, Deus não criou você para ser como outra pessoa. Deus não vai perguntar no céu porque você não foi mais como fulano ou ciclano. Deus criou você para que chegasse a ser você mesmo.

O amadurecimento é prático, concreto, humano. Não místico e abstrato.

O crescimento espiritual não acontece instantaneamente

Isso é também uma lei do espírito. Nada na vida espiritual acontece instantaneamente. Requer um processo progressivo que avança pouco a pouco. Nós vivemos numa sociedade que quer tudo para já, tudo rápido, mas na vida espiritual tudo requer um processo de amadurecimento lento e progressivo.

O crescimento espiritual não se mede pelo que sabe

O crescimento espiritual não tem nenhuma relação com conhecimento, com ler muitos livros. Podemos saber tudo sobre os evangelhos, sobre a teologia, sobre a história de Jesus e de Israel, e ao mesmo tempo ser pessoas profundamente infantis, egoístas e arrogantes, todos sinais de imaturidade espiritual.

“Mostra-me tua fé sem obras, e eu pelas obras te mostrarei minha fé.”

(Tiago 2, 18)

Então, o que podemos fazer para sermos transformados por Cristo e alcançar essa maturidade espiritual?

Tudo começa com o compromisso

Todo processo de amadurecimento começa por um compromisso. O crescimento é intencional, requer foco e esforço. E esse compromisso se dá na oração diária. Até nosso Senhor rezava todos os dias.

Também temos que nos comprometer com o estudo e o aprofundamento de nossa fé. Muitas vezes ficamos com os ensinamentos que aprendemos quando éramos crianças. Precisamos ter um conhecimento de Deus e de nossa fé adequado à nossa idade e maturidade intelectual.

O nosso compromisso também se revela na doação. Doação da nossa própria vida. Não dá pra dizer que sou comprometido com Cristo se esse compromisso não exige nada da minha vida.

“No primeiro dia da semana, cada um de vós separe o que puder, de acordo com a sua renda”

(1 Coríntios 16, 2)

Nesse texto de São Paulo vejo três características da doação. Ela é:
– Algo periódico: “No primeiro dia da semana”
– Algo prioritário: Ou seja, que fazemos antes que qualquer outra coisa.
– Algo proporcional: “De acordo com a sua renda”
– Algo pessoal. Todos estamos convidados para esse compromisso. “Cada um de vós”.

Não se trata, portanto, de dinheiro e sim de desprendimento. Trata-se de cultivar uma verdadeira espiritualidade da generosidade e do desprendimento. As pessoas mais felizes são as pessoas mais desprendidas.

E, por fim, nosso compromisso se dá na vida sacramental.

“Nenhum ramo pode produzir fruto por si mesmo, se não estiver ligado à videira. Vós igualmente não podeis dar fruto por vós mesmos, se não permanecerdes unidos a mim.”

(João 15, 4)

A imagem é muito forte: temos que estar “ligados”, “enxertados” em Cristo. Trata-se de uma conexão física com Jesus. Como fazemos isso? Através dos sacramentos. Especialmente a Eucaristia e a confissão.

Colaborar com Deus nas circunstâncias da vida

A vida está cheia de circunstâncias difíceis e imprevisíveis. Muitas vezes sofremos por isso. Portanto, temos que aprender a colaborar com Deus nessas circunstâncias.

Significa não rebelar-se, não deixar de fazer a coisa certa porque as coisas não acontecem segundo nosso gosto.

Santo Inácio resumia essa dinâmica com uma frase muito boa: “Fazer tudo como se tudo dependesse de mim, e confiar em tudo, como se tudo dependesse de Deus.”

Santo Serafim de Sarov

Por fim, ao fim de sua homilia, Pe. Rodrigo recorda a história de um santo da Igreja oriental. Era um monge russo, que viveu no convento de Sarov e depois foi eremita num bosque próximo. Quando sua fama de santo se estendeu pelo país, milhares de pessoas iam encontrá-lo, confessar-se e buscar seu conselho. Quando Serafim os recebia, se postrava até o chão, beijava as mãos das pessoas e elas não precisavam dizer nada, porque ele já sabia tudo o que estava acontecendo com elas. Aconselhava-as e rezava junto.

Numa ocasião, um discípulo chamado Motovilov, perguntou para ele como saber se a graça de Deus estava conosco. O santo monge tomou as mãos dele e disse: “Nós dois estamos agora cheios do Espírito Santo.” E nesse momento o monge se transfigurou. O discípulo sentiu uma paz e um silêncio enorme, o frio desapareceu, a luz era muito intensa, mais do que o sol, mas sem fazer dano.

Esse é o segredo da maturidade espiritual: estar cheio do Espírito Santo, deixar que o Espírito Santo guie toda nossa vida e faça a sua obra pouco a pouco. Assim também nós seremos um dia transfigurados.

  • Pe. Rodrigo Hurtado LC transmite a celebração da Santa Missa através de seu Canal do YouTube aos domingos, às 18h. Assista e compartilhe o link abaixo com as pessoas a quem você mais ama.
https://youtube.com/watch?v=OJRIPIFci54