No Evangelho deste último domingo escutamos essa grave sentença de Jesus contra o legalismo dos fariseus: o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (Marcos 2, 27).

Mas para entender isso, precisamos compreender que a sociedade judaica do século I tinha diversos grupos com diversas interpretações da tradição do povo de Israel. Estavam aí os saduceus, os zelotes, os essênios e os fariseus.

Os fariseus eram um grupo muito devoto da Torá, fiéis observantes das leis herdadas dos antepassados. Eram os grandes oponentes dos saduceus, que na época de Jesus dominavam Jerusalém e o templo. Em certo sentido, os fariseus tinham uma vida muito próxima do Evangelho de Jesus. Porém, Ele se enfrentou fortemente com os fariseus, por causa de seu legalismo.

O que é o legalismo?

O legalismo é um desmancha-prazeres da fé, ou seja, algo que destroi a alegria de ser cristão, de seguir a Jesus, de servir os outros e praticar a caridade.

O legalismo não é um desvio que ataca as pessoas que estão longe de Deus. O legalismo ataca precisamente as almas fiéis, aquelas que querem estar perto de Deus, mas caindo nessa armadilha, destroem a alegria e os frutos de todo esse esforço por seguir Deus.

O legalismo é substituir nossa relação com Deus por regras, rituais ou coisas parecidas. É uma armadilha que tira sutilmente o foco do que Deus fez por você e o coloca no que você fez por Deus. Como se, por essas coisas, nós pudéssemos merecer a salvação.

Nós conhecemos muito bem o mais famoso de todos os fariseus: São Paulo. Ele se formou em Jerusalém e se tornou ele mesmo fariseu.

Irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus. Eis que estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos!” (Atos 22, 3; 23, 6)

Sabemos que antes de sua conversão, Paulo era perseguidor de cristãos, mas não porque fosse ateu, mas porque, sendo fariseu, achava que os cristãos eram uma seita que pregava o não cumprimento da lei da Torá e portanto, era uma ameaça que devia ser eliminada.

Ele nos conta na carta aos Filipenses um pouco dessa experiência. Ele diz:

“Se alguém julga que tem motivos para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, filho da descendência de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à Lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à justiça que há na Lei, eu era irrepreensível.” (Filipenses 3, 4)

Nesse texto Paulo nos enumera cinco jeitos de cair no legalismo. Armadilhas que ainda assombram os cristãos do século XXI.

1. Legalismo é colocar sua confiança nos rituais

Paulo diz: “circuncidado no oitavo dia de vida” ou seja, Ele foi circuncidado oito dias depois de seu nascimento, de acordo com a lei Torá.

Hoje os cristãos também caem nisso. Você escuta pessoas dizendo: “sou católico porque fui batizado na catedral de São Paulo!”, “Pelo próprio arcebispo”, “Eu recebi a primeira comunhão do Papa”, “Eu vou quase todo domingo à missa”, etc.

Os ritos são necessários, mas eles são meios, se junto com eles, não vai também o espírito, de nada servem.

2. Legalismo é colocar sua confiança na linhagem ou tradições

Paulo diz: “filho da descendência de Israel, da tribo de Benjamim”, ou seja, eu tenho “pedigree”. Eu venho de família muito importante.

Hoje vemos pessoas que dizem que são católicas porque tem um tio que é santo, porque sua avó era muito católica e rezava o terço todo dia. Ou porque tem uma tia que era monja ou padre.

Porém, cada um tem que ganhar os méritos para o céu. Cada um tem que fazer sua própria escolha de vida por Jesus.

3. Legalismo é colocar sua confiança em Instituições

Paulo diz: “hebreu de hebreus”, ou seja, eu pertenço ao povo escolhido, eu sou do povo que tem a promessa de Deus.

Hoje você encontra pessoas que quando se lhes pergunta sobre seu relacionamento com Deus, respondem que eles pertencem à Igreja Católica, que seus nomes estão nas paredes da igreja (porque fizeram uma doação), ou que eles tem uma carteirinha que diz que são “Adoradores do Santíssimo Sacramento”.

Cuidado, não basta a pertença formal. Isso é apenas um meio, sua vida e seu relacionamento com Deus é o que importa.

4. Legalismo é colocar a confiança nas regras

Paulo diz. “quanto à Lei, fui fariseu”, ou seja, ele era um cumpridor fidelíssimo da lei judaica. Os fariseus, como vimos, eram a elite espiritual de Israel. Eram fiéis observantes de todos os preceitos da Torá.

No evangelho de hoje, Jesus acusa os fariseus, de substituírem sua relação com Deus por normas e preceitos inventados por eles mesmos. Jesus diz:

Nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Marcos 7, 7)

5. Legalismo é colocar a confiança na reputação

Paulo diz: “quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à justiça que há na Lei, eu era irrepreensível.” ou seja, ele tinha fama de ser um fariseu fiel, todo mundo sabia, todo mundo sabe inclusive que perseguia os cristãos… Ninguém podia acusá-lo de ter faltado à menor regra da Torá. Paulo está dizendo que ele era um superstar entre os legalistas.

Hoje também você vê pessoas que se gabam: eu pertenço à Igreja X, eu sou membro do Movimento Y, eu colaboro com a paróquia há mais de 20 anos, etc. O resultado é sempre o mesmo: substituir nossa relação com Deus por reputação.

Fazer isto, sem omitir aquilo

Não há nada de errado em todas essas coisas. Essas coisas são meios que o próprio Jesus nos deixou ou que a Igreja nos oferece para sermos melhores pessoas ou para termos um relacionamento mais próximo com Deus.

“Dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas tendes descuidado dos preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Deveis, sim, praticar estes preceitos, sem omitir aqueles!” (Mateus 23, 23)

Ou seja, não está mal fazer rituais, receber os sacramentos, assistir à Igreja, inclusive orgulharmos de nossa tradição ou daquele tio santo que temos, mas sem esquecer nosso relacionamento com Deus.

“Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.”

(Santo Agostinho, Homilia sobre a Epístola de São João)