No Evangelho deste último domingo, a liturgia nos leva a contemplar aquele momento em que Jesus, consumido de zelo pela casa do Pai, expulsa os vendedores e cambistas do Templo de Jerusalém, naquilo que ficou conhecido como a Purificação do Templo.

A passagem que escutamos hoje é uma das histórias narradas pelos quatro evangelistas. Existem diferenças, mas a essência é sempre a mesma. É o único relato evangélico onde Jesus usa da força física.

Os peregrinos não levavam os animais durante a viagem até Jerusalém, porque podiam machucar ou simplesmente ser rejeitado pelos sacerdotes (por qualquer imperfeição) ficando sem sacrifício para a Páscoa.

Por esse motivo, os peregrinos preferiam comprar os animais para o sacrifício, dos vendedores do templo, que eram como vendedores “certificados” pelos sacerdotes. Além deles, estavam também os cambistas, ou seja, pessoas que trocavam as diversas moedas dos peregrinos em moeda local para poder fazer suas compras e gastos.

Por que Jesus purifica o Templo?

Imagine o Templo de Jerusalém como um complexo, em que havia um local em que só os sacerdotes poderiam entrar e, no entorno dele, um pátio em que as pessoas comuns podiam rezar, e era justamente nesse pátio que ficavam os vendedores e cambistas, junto aos animais que, por sua vez, certamente deixavam aquele local de oração, bem barulhento.

Jesus, ao retirar os cambistas, os vendedores e seus animais do Templo, não está condenando aquele serviço, que era legítimo, ainda que os Evangelhos sinóticos nos trazem uma fala de Nosso Senhor que daria a entender que aquela prática comercial não tinha uma ética tão acertada.

Na verdade, Jesus está devolvendo ao Templo o seu ambiente de oração, de encontro com Deus.

A legitimidade do trabalho

Contudo, quando lemos esse relato do Evangelho, nós temos a impressão de que Jesus está condenando o comércio, e essa impressão ainda é fortalecida por alguns setores da Igreja.

Existe uma certa ideia de que fazer negócios, empreender, enriquecer-se seria algo contrário à vontade de Deus. Isso acaba fazendo que haja uma dicotomia entre a vida pessoal, familiar, religiosa e a vida empresarial de muitas pessoas.

Porém, por outro lado, vemos nas Escrituras que o trabalho, o empreendimento, gerar riquezas não é uma coisa má, mas, pelo contrário, Deus quer isso.

É verdade que, em certo sentido, em nossa espiritualidade, nós vemos o trabalho como um castigo. Podemos, inclusive, lembrar do diálogo entre Deus e Adão no momento da expulsão do Jardim do Éden.

“Maldita será a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. […] No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; […] porquanto és pó e em pó te tornarás.”

(Gênesis 3, 17)

O trabalho foi sempre parte do plano de Deus, mas depois do pecado ele é mais frustrante, difícil, injusto, cansativo, estressante, etc. Então, precisamos compreender qual o propósito de Deus para o trabalho.

5 propósitos de Deus para o trabalho

1. A Necessidade

“O que lavra a sua terra se fartará de pão” .

(Provérbios 12, 11)

Este é o primeiro e mais básico propósito. O sustento seu e de sua família. São Paulo é categórico: “Se alguém não quiser trabalhar, também não coma.” (2 Tessalonicenses 3, 10) É vontade de Deus trabalhar e usar dos dons que Ele nos deu. Temos que fazer o nosso melhor.

2. A Identidade

O trabalho expressa os nossos talentos. Damos glória a Deus trabalhando e mostramos nossa personalidade, nossa criatividade, nossa identidade.

Não chegaríamos a ser tudo o que deveríamos, sem o trabalho. Pode ser que nosso trabalho atual não esteja permitindo isso. O melhor trabalho é aquele que expressa nossa identidade e nos permite usar nossos talentos.

“Cada indivíduo avalie suas próprias atitudes e saberá como orgulhar-se de si mesmo, sem viver se comparando com outras pessoas.”

(Gálatas 6, 4)

3. A Maturidade

O trabalho nos ajuda a crescer e amadurecer. Deus usa nosso trabalho para desenvolver nosso caráter e nossa personalidade.

Se temos um chefe maluco, Deus pode estar usando-o para desenvolver nossa paciência.

4. A Caridade

O trabalho serve também para ajudar a outros. O que acontece de duas maneiras: através do serviço que nosso trabalho presta ou através da partilha de nossa riqueza.

“Trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com quem está atravessando um período de necessidade.”

(Efésios 4, 28)

5. A Eternidade

O nosso trabalho ou nosso negócio não é nosso, é de Deus. Somos apenas os administradores.

“Buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.”

(Mateus 6, 33)

Podemos usar nosso negócio para estender o Reino de Cristo. Funcionários, clientes, fornecedores, a sociedade como um todo.

O trabalho é um caminho de santificação. Agradeçamos a Deus, aproveitemos o nosso trabalho do melhor jeito possível, cumprindo todos os propósitos e busquemos dar glória a Deus.


Assista à homilia do Pe. Rodrigo Hurtado LC, na íntegra, através de seu canal de YouTube, ou tenha acesso a um conteúdo de Estudo Bíblico da liturgia dominical do ano todo com o curso Conhecer e Viver a Bíblia, que está em nossa loja aqui no site.