Cruzadas: luzes e sombras
No início da terceira temporada do nosso podcast Café com Fé, Adriano Dutra recebe o Pe. Salvador M. Calderón LC, que atualmente vive na Terra Santa e nos fala de seu último livro “Dieu le Veult! As Cruzadas, suas sombras e luzes”.
Pe. Salvador, que é mexicano, esteve no Brasil de 1991 até quando foi enviado à Terra Santa em 2018, onde atende os peregrinos que vão visitar os lugares sagrados e já escreveu vários livros, entre eles, seu último livro sobre com uma visão o mais calara possível, mas também mais serena, fundamentada em estudos científicos e históricos.
O que foram as Cruzadas?
Pe. Salvador nos conta que o vocábulo era pouco usado na própria Idade Média e foi somente a partir da convocatória do Papa Urbano II em 1095 que se descreve o que significam as Cruzadas e os Cruzados. São pessoas que aceitam o desafio de resgatar o Santo Sepulcro e ajudar o imperador de Constantinopla a recuperar algumas posições que lhe foram tomadas pela invasão muçulmana. Portanto, a Cruzada se inicia com a convocatória do Papa Urbano II.
O padre escreve seu livro baseado em fatos históricos e em extensas pesquisas com diversos autores. O primeiro fato histórico a se levar em conta é saber que o cristianismo nasce em Jerusalém. Quem leu os Atos dos Apóstolos percebe que, no dia de Pentecostes, nasce uma religião, uma forma de vida baseada no seguimento de Cristo Nosso Senhor. Portanto, para nós, cristãos, Jerusalém é o berço do cristianismo e é mais importante que Roma.
O cristianismo, dessa maneira, surge em Jerusalém, durante o Império Romano e, com isso, sabemos que após a morte e ressurreição de Jesus, essa nova comunidade que nasce causa um incômodo que gera perseguições. Aí temos os primeiros defensores da fé cristã, os mártires. Os primeiros quatro séculos de fundação e expansão do cristianismo são marcados pelo martírio.
Dessa maneira, Pe. Salvador ensina que o nascimento e expansão do cristianismo é o primeiro fato histórico que não pode ser negado. O segundo fato histórico é a destruição de Jerusalém, que todos podem ter conhecimento através de historiadores da época. Aquela cidade foi destruída no ano 70 pelas tropas de Tito, cuja batalha é comemorada no famoso Arco de Tito, construído próximo ao Coliseu, em Roma.
Nesse momento, a nova religião cristã já está fundamentada e começa, então, a construção de uma nova sociedade: o cristianismo. Os cristãos tinham transmitido a mensagem de Cristo a toda sociedade, de grandes intelectuais até pessoas muito simples. A atmosfera na região vai se transformando.
Depois da destruição causada por Tito, outro imperador romano, Adriano, inicia a reconstrução de Jerusalém e no ano 131 vai construir uma nova cidade e, em cima do Calvário e do Santo Sepulcro constrói um monumento em honra da deusa pagã Vênus (Afrodite). Neste ano começa a existir uma nova cidade e os cristãos, por sua vez, não estão só em Jerusalém, mas também na Síria e já eram chamados de cristãos desde o ano 42, segundo os historiadores.
Passados os anos, no século IV, Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, deseja reconstruir o Santo Sepulcro e parte para Jerusalém, onde encontra sobre o local duas estátuas deixadas por Adriano, de Vênus e Hércules e ao removê-las, descobre os locais, tanto do Calvário como do Sepulcro. A partir daí, constrói-se a basílica do Santo Sepulcro, cujas obras foram de 326 a 336.
A partir do momento em que Santa Helena constrói a Basílica do Santo Sepulcro, iniciam-se, portanto, as peregrinações a 3 grandes lugares. Primeiro, Jerusalém. Em segundo lugar, Roma e, em terceiro lugar, Santiago de Compostela. Do século IV até as Cruzadas se passaram quase 8 séculos.
Outro fato histórico que deve ser considerado ocorre no ano 638, no início do século VII, quando Jerusalém é novamente ocupada, desta vez pelos muçulmanos e transformada em uma cidade árabe. Isso vai dificultar muitíssimo a peregrinação à Terra Santa e aí começam a se formar os exércitos de defesa dos peregrinos.
Uma ocorrência que se torna praticamente decisiva para a convocatória da primeira Cruzada é fato do Califa Al Hakim destruir o Santo Sepulcro em 1009. Isso fez com que o Ocidente fosse mobilizado a reagir, primeiramente para defender os peregrinos e, depois, para recuperar o Santo Sepulcro. E é importante ressaltar que, nesse período, a sociedade ocidental tinha uma característica marcante, que é a impregnação da fé e o surgimento dos grandes monastérios.
Porém, esse crescimento dos monastérios gera um choque entre o cristianismo ocidental e o cristianismo oriental e em 1054 ocorre o Grande Cisma do Oriente. Os cristãos orientais deixam de obedecer ao Papa de Roma e vão formar uma nova práxis do cristianismo. Os cristãos europeus, no entanto, estavam envolvidos numa atmosfera de defesa da fé.
Nesse espírito de defesa da fé, a devoção ao Santo Sepulcro é aquilo que impulsiona o Papa Urbano II a convocar os francos para irem à Jerusalém recuperar o local sagrado e também ajudar a Constantinopla a recuperar territórios que os islâmicos haviam tomado, mesmo após o cisma. E isso não foi uma reação só da Igreja, como nos lembra o Pe. Salvador, mas de toda a sociedade europeia da época, e o Papa encontrou uma resposta favorável tanto entre os nobres quanto entre a gente simples.
Daí se formaram os dois grandes exércitos, os exércitos populares e o exército comandado pelos nobres, e partiram para a Terra Santa para resgatar o Santo Sepulcro e recuperar os territórios perdidos por Constantinopla. Esse segundo aspecto não foi tão bem observado por alguns cruzados, especialmente pelo irmão de Godofredo de Bulhão, Balduíno. E muitos historiadores relatam esse fato como uma sombra da Primeira Cruzada. Algumas dessas pessoas se aproveitaram das Cruzadas para se enriquecer e angariar poder sem corresponder corretamente ao pacto que tinham feito com o imperador de Bizâncio.
Quando se iniciou a marcha à Jerusalém?
Quatro grandes exércitos se reuniram para ir à Terra Santa. O primeiro era dirigido por Godofredo de Bulhão e Balduíno, seu irmão. O segundo, pelo Conde de Vermandois e o Duque da Normandia. O terceiro exército era comandado pelo Conde de Toulouse e o legado papal Ademar de Monteil. E, por último, o exército comandado por Boemundo de Tarento e seu sobrinho Tancredo.
Esses quatro exércitos, saindo da França, Alemanha e Itália partem rumo à Terra Santa. Saíram depois da Páscoa de 1096 e chegaram à Terra Santa em julho de 1099. É importante notar esse dado para compreender que essa jornada era de grande sofrimento para aqueles soldados, que fizeram o juramento diante do Santo Padre de carregar o estandarte da Cruz até o Santo Sepulcro.
Obviamente surgiram intrigas, invejas e erros entre aqueles homens, e muitos historiadores só olham esses dados. Como reforça o Pe. Salvador, conhecendo a natureza humana, quando se tem dificuldades, aparece o “homem velho” e isso não deve ser tida como a característica de toda Cruzada.
Um historiador relata, por exemplo, que os cruzados chegaram à Terra Santa e se dirigiram a Belém. De lá, chegaram a Jerusalém, cercaram a cidade, jejuaram e fizeram uma procissão que terminou no Monte das Oliveiras, o que contribuiu para devolver o verdadeiro sentido da Cruzada, seu sentido de peregrinação. Depois de 2 dias, Jerusalém foi tomada. Mas, a chegada a Jerusalém não foi fácil, pois estava bem protegida.
Essa tomada de Jerusalém foi um fato extraordinário que comove muito, pois a primeira coisa que os Cruzados fizeram foi tirar os calçados e se dirigirem ao Santo Sepulcro. Uma vez chegado ao objetivo, quiseram coroar Godofredo de Bulhão como Rei de Jerusalém, que não aceitou dizendo que não podia aceitar uma coroa de ouro quando seu Senhor foi coroado com espinhos.
Dieu le veult!
Ao explicar o porque desse lema, por assim dizer, das Cruzadas, Pe. Salvador conta que quando o Papa Urbano II estava convocando os cristãos a pegarem a Cruz e retomarem a Terra Santa, o povo todo, espontaneamente, se ajoelha e começa a gritar essa frase em francês que quer dizer: Deus quer!
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