No Café com Fé dessa quinta-feira, Adriano Dutra recebe a Advogada e Doutora em Teologia, Vitoria Andreatta De Carli que defendeu sua tese de doutorado sobre a espiritualidade laical e vem conversar sobre como viver a fé na vida cotidiana.

Vitoria conta que se dedicou ao estudo da Teologia não por aperfeiçoamento ou pretensões profissionais, mas buscou a Teologia porque buscava a Deus, buscava conhecê-lo, conhecer mais as coisas de Deus, o que resultou num caminho acadêmico de 9 anos.

A advogada, que já foi atleta e recordista de “slalom” em Esqui Aquático, constata que «quem tem fé é uma pessoa normal, que tem família, tudo se conecta». «O leigo está chamado a ser, autenticamente, um cristão fiel leigo nos dias e hoje».

«A gente já não vive numa época de cristandade», comenta Vitoria. «O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão. Esse cristão, ou terá uma experiência de Deus que transforme e faça diferença em sua vida ou não vai ser cristão, porque a gente vive numa sociedade em que a maioria é de cristãos não praticantes, o que é algo contraditório».

Para ela, esse tempo em que estamos vivendo é o tempo em que o leigo, que está entranhado no mundo, «misturado no mundo, como fermento na massa, é chamado a isso, a viver autenticamente sua fé». 

«Eu vejo que a nossa missão, na verdade, nada mais é do que sermos o que devemos ser. Vivermos nossa identidade cristã em meio ao mundo. Porque nós leigos somos a igreja no coração do mundo», continua.

Espiritualidade Laical

Vitoria defendeu sua tese de doutorado justamente sobre o tema da espiritualidade laical. O modo de viver do cristão leigo. E ela começa seu doutorado justamente no ano em que o Papa Francisco publicou sua Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (“Alegrai-vos e exultai”) sobre o chamado à santidade no mundo atual.

Ela comenta que quando se fala o termo espiritualidade, normalmente se pensa em uma vida interior, desconectada da vida cotidiana, mas, na verdade, espiritualidade «é o modo de viver do cristão, que é integrado, que faz parte da vida espiritual, que é a vida de interioridade de fato, e tem uma uma tradução concreta na situação humana histórica».

Para Vitoria, quando se vive só uma vida de oração e não se vincula isso com a vida concreta, se dá uma falsa espiritualidade e, da mesma forma, quando se vive só preocupado se fazer coisas e não se tem essa vida interior, também falta a espiritualidade.

«Uma outra relação de conceitos que ajuda muito é compreender a distinção entre espiritualidade e santidade, que são termos relacionados mas não são sinônimos», ensina Vitoria. «A espiritualidade é um caminho que tem uma meta e essa meta é a santidade. A Santidade é a plenitude da vida cristã. Nós estamos em caminho, nós tendemos a um extremo e a outro extremo. Faz parte do caminho eu priorizar mais a vida interior e, por vezes, mais a vida apostólica. A gente aprende caminhando. A santidade é viver a própria vocação e missão na terra».

Vitoria ainda explica que o modo de viver uma vida em união com Deus se dá em duas dimensões. Uma dimensão vertical, que é a vida de união com Deus propriamente e, na dimensão horizontal, que é a vida da relação com os demais. «Entretanto, não é uma ou outra. Na verdade, elas têm que andar juntas, como a cruz». «Por isso que o conceito chave para explicar a espiritualidade se chama unidade de vida. É a unidade dessa dimensão vertical com a dimensão horizontal».

Integração entre vida de fé e vida cotidiana

A Doutora em Teologia relata que, ao se dedicar aos estudos para sua tese, percebeu que há época de S. Francisco de Sales (séc. XII), ele falava de se santificar, de se buscar a Deus nas coisas do mundo, «mas era um santificar-se, apesar do mundo». Após o advento do Concílio Vaticano II, no século XX, compreende-se que a santificação se dá «através do mundo».

«Fazendo uma relação com o sacramento do matrimônio, nós que estamos chamados a viver a santidade através do nosso casamento, Deus não nos chama somente para o matrimônio, mas nos chama no matrimônio. É ali que Ele nos chama a viver esse amor. Ali que Ele nos chama a viver essa plenitude da caridade», ilustra Vitoria.

Vitoria também reforça que não se trata de um equilíbrio entre a vida de fé e a vida em sociedade. «Na verdade a gente não tem que equilibrar, a gente tem que integrar. É diferente».

«Essa unidade de vida é mais do que coerência, é mais do que equilíbrio, é integração. E é isso que a gente está chamado. E é integração exatamente onde eu estou, com as circunstâncias que eu estou vivendo, com o jeito que eu sou, com as minhas coisas boas, mas com todos os meus defeitos, com a minha humanidade».

Vitoria relembra que os primeiros cristãos viviam no mundo. Eles não foram retirados do mundo. Eles continuaram nas suas ocupações, nas suas famílias, no seu ambiente.

Quando entendemos isso, segundo Vitoria, os obstáculos de nossa vida ganham uma nova dimensão. «Mas isso só vai acontecer na medida que entendamos isso e que busquemos a Deus, para nos dar a graça para discernir o que eu vou fazer e como fazer e a força para fazê-lo».

«Tem um outro autor que deu uma expressão e diz assim: Se o leigo não for cristão onde ele deve ser, ali no meio do mundo e das situações em que ele está colocado, ele não vai ser nada, ele não vai ser nem leigo, nem cristão, nem uma coisa nem outra».

Vitoria também lembra que o «o conceito chave é a unidade de vida para vivermos essa espiritualidade laical, mas o princípio para vivermos isso é a caridade». «Quando a gente fala em santidade, a santidade é a plenitude de nossa vida no amor. Mas, à medida que vamos caminhando na vivência da nossa espiritualidade, nós vivemos a caridade».

Vitoria também alerta sobre a importância da vida sacramental. «A eucaristia é essa plena união com Cristo aqui na terra, que está ali presente. Não tem lugar em que Deus se faz mais presente do que na Eucaristia. Quem puder comungar com mais frequência, que o faça. E, de outra parte, a Confissão, que é um sacramento maravilhoso, extraordinário… Quando a gente confessa, a gente se dá conta das nossas falhas e temos a graça de Deus para não voltar a cair no mesmo lugar».

Por outro lado, além da vida sacramental, também está a vida de oração, pois sem uma vida de oração, os Sacramentos terão eficácia limitada, «falta terra boa para recebê-los».

O leigo é chamado à santidade

Vitória também relata que esteve em Roma em 2019 e participou do encerramento de um encontro que fez uma reflexão sobre a santidade laical. No encontro, foram chamados os postuladores das causas de canonização de vários leigos, entre eles, o postulado da causa do Beato Carlo Acutis, por exemplo.

Ela enumera que cada postulados, num primeiro momento, contou sobre a vida daquela pessoa que estava em processo de canonização e, depois, no encerramento, se percebeu que todos tinham características em comum. Primeiro, eles viveram uma santidade plena. Também, essa santidade se deu e se desenvolveu através da Igreja. Em terceiro lugar, a santidade se dá no próprio ambiente e na vida ordinária e, por fim, havia o senso de missão. Vitória explica que «a missão integra a vocação».

Para Vitória, «santidade e missão são dois lados da mesma moeda. O cristão tem uma missão nesse mundo. Deus nos amou desde sempre e nos quis». A Advogada também recorda uma frase do próprio beato Carlo Acutis que diz que «Deus não nos criou fotocópias, ele nos criou originais».

Vitoria também conta que o grande modelo da espiritualidade laical é Nossa Senhora. «Nossa espiritualidade cristã é Mariana e Nossa Senhora é o grande modelo de quem vive a espiritualidade, tanto na dimensão vertical, quanto na dimensão horizontal, na relação dela com o Filho com os Apóstolos».

Ao encerrar o Café com Fé, ao contar seu testemunho de como vive a espiritualidade laical em sua vida, Vitoria comenta que «toda grande viagem começa com um pequeno passo e é só isso que Deus nos pede, o pequeno passo daquele dia».